Publicado em:
19/11/2025
Há 20 anos, a parceria entre Natura e Embrapa nascia do desejo comum de unir ciência, inovação e biodiversidade. Desde então, diferentes projetos de cooperação entre as duas empresas mostraram que é possível usar conhecimento técnico-científico para geração de modelos de desenvolvimento sustentável, com benefícios para toda a cadeia envolvida.
A colaboração começou com a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília, com o objetivo de obter dados genéticos que pudessem subsidiar planos de conservação e manejo sustentável de duas espécies utilizadas pela Natura e fundamentais tanto para a bioeconomia brasileira quanto para as comunidades que dela vivem: o mate-verde (Ilex paraguariensis) e a castanha-do-brasil (Bertholletia excelsa), classificadas como espécies ameaçadas de extinção.
Os estudos foram realizados em vários locais e estados, incluindo as áreas de produção de castanha-da-amazônia e mate-verde para a Natura: a Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Iratapuru, no Amapá, e a Ervateira Putinguense, no Rio Grande do Sul. Várias unidades da Embrapa também se envolveram nesses projetos - Lucia Helena de Oliveira Wadt (Embrapa Acre) foi a responsável pelos estudos da castanha-da-amazônia, e Valderes de Sousa (Embrapa Floresta), a referência para os estudos da erva-mate.
O trabalho conjunto contribuiu para ampliar o conhecimento sobre essas espécies. Além disso, pavimentou o caminho para o trabalho em iniciativas futuras: Natura aportando recursos, conhecimento em inovação e compromisso socioambiental, e Embrapa trazendo sua expertise em pesquisa agrícola e florestal aplicada ao território brasileiro.
A parceria seguiu com um desafio ousado, de iniciativa da Natura, em Tomé-Açu (Pará): transformar pela primeira vez o monocultivo de dendê, tipicamente associado a preocupações ambientais e sociais, em sistemas agroflorestais biodiversificados.
O trabalho foi feito em parceria com Embrapa Amazônia Ocidental, @Embrapa Amazônia Oriental, e a CAMTA - Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu). Ao longo dos quinze anos de pesquisa, também contou com o apoio de outras unidades da Embrapa, bem como outras instituições de pesquisa.
“A Natura nos desafiou a repensar o modelo tradicional, propondo que o dendê fosse cultivado junto com outras espécies, como açaí e cacau”, lembra Wenceslau Teixeira , pesquisador da Embrapa Solos. “O projeto deu tão certo que se consolidou e está em expansão. Ele é emblemático porque provou que sistemas agroflorestais não só podem funcionar como ser economicamente viáveis.”
Débora Castellani , Gerente Científica de Pesquisa Avançada da Natura e responsável pelo projeto durante os 15 anos de pesquisa, afirma que os resultados são consequências das boas escolhas que foram feitas. “O manejo agroecológico do SAF Dendê, a alta diversidade de espécies presentes no sistema e a adoção constante de práticas regenerativas foram fundamentais para os bons resultados obtidos em campo, que mostrou aumento da biodiversidade funcional, alta produtividade e potencial de gerar renda por meio de inúmeros produtos além do dendê”, afirma ela.
Mesmo com menos palmeiras de dendê por hectare do que no monocultivo, o SAF Dendê alcançou uma produtividade superior - 180 kg de cachos de fruto por planta contra 139 kg (no 11° ano). O teor de óleo por cacho também foi maior no SAF, de acordo com os estudos que focaram na medição direta do fruto.
Para Steel Vasconcelos, que hoje atua na Embrapa Florestas, mas na época em que trabalhou no projeto SAF Dendê estava na Embrapa Amazônia Oriental, um dos méritos do projeto está em sua abordagem sistêmica. “O objetivo sempre foi desenvolver um sistema que fosse tecnicamente, ambientalmente, economicamente e socialmente viável. O SAF Dendê segue mostrando que esse modelo é possível.”
Artigo publicado em 2024 na revista científica “Mitigation and Adaptation Strategies for Global Change” e assinado por pesquisadores da Embrapa e da Natura, entre outros, conclui que SAFs de dendê têm maior potencial de armazenar carbono no solo e, consequentemente, contribuem mais para a mitigação das mudanças climáticas do que os monocultivos do fruto.
Segundo Teixeira, trata-se de um modelo que pode ser replicado em outros biomas e que dialoga diretamente com políticas de agricultura de baixa emissão de carbono.
Desde 2024, Natura e Embrapa estão olhando juntas para um ecossistema reconhecido internacionalmente como zona úmida de importância global: os manguezais. O Brasil abriga a segunda maior área de manguezais do mundo e a maior faixa contínua de manguezais do planeta, que abrange os estados do Amapá, Pará, Maranhão, Piauí e Ceará.
“Manguezais são extremamente relevantes pelos seus inúmeros serviços ecossistêmicos, como geração de alimentos, conservação de biodiversidade, sequestro de carbono e a proteção contra a erosão e o aumento do nível do mar, entre outros”, afirma Castellani. “A escolha de nos dedicarmos a eles faz parte de uma visão voltada à inovação sustentável.”
As equipes têm trabalhado em parceria com duas reservas extrativistas no Pará, a Resex Mãe Grande de Curuçá (no município de Curuçá) e a Resex Marinha Mestre Lucindo (no município de Marapanim), para estudar esses ambientes, gerar dados sobre eles e desenvolver indicadores ecológicos que também contribuam para sua conservação.
Steel Vasconcelos, da Embrapa, afirma que os manguezais têm um potencial enorme de armazenar o chamado carbono azul, que é próprio de ecossistemas marinhos. “O regime de água diminui muito a decomposição da matéria orgânica, então o carbono se acumula especialmente no solo. Uma das missões do projeto é mensurar e informar quanto esse manguezal armazena de carbono, para obter um indicador ambiental e a valorização dos serviços ambientais desse ecossistema tanto pelas próprias comunidades como pelo poder público”, diz.
Os estudos da parceria Natura-Embrapa têm o potencial de subsidiar políticas públicas de proteção ambiental, de acordo com Teixeira. “Pesquisas como essa mostram o valor de ecossistemas muitas vezes invisibilizados e podem embasar decisões de governos que tiverem abertura para políticas com impacto social e ambiental significativo”, completa.
Neste ano, foi instituído o Comitê Gestor do Sítio Ramsar Estuário do Amazonas e seus Manguezais, uma estratégia inédita voltada à proteção de toda essa área. Sob o status de Sítio Ramsar, as áreas úmidas passam a ser objeto de compromissos a serem cumpridos pelo país e a ter prioridade na implementação de políticas governamentais e reconhecimento público.
Como são sistemas complexos, sujeitos a muitas alterações por causa das marés, é essencial contar com a colaboração das comunidades locais para entender como funcionam. “Qual o papel do caranguejo? Qual o papel das marés? Como essas plantas se comportam em diferentes momentos? A participação das comunidades é fundamental. Por outro lado, a gente já começa a mostrar alguns achados para elas, como o perfil de solo, a distribuição das raízes. É uma interação de via dupla. Aprendemos muito com os moradores e eles também aprendem um pouco com a gente”, diz Vasconcelos.
“A gente foi se entendendo até falar a mesma língua, e depois um foi aprendendo com o outro”, confirma a pescadora Maria de Fátima Vieira de Sousa, da Resex Mãe Grande de Curuçá. “Não sabia do carbono, como era o solo dos manguezais. Sabia que tinha que preservar o meio ambiente, que se a gente plantasse e cuidasse daquelas árvores a gente acharia mais caranguejo. Era assim que a gente pensava. A gente aprendeu muito com a natureza desse lado da pesquisa. E eu também aprendi a sentir o aroma com mais facilidade das flores, das cascas da madeira e da raiz que a gente trabalha”, conta.
Para Raquel Paixão da Silva, pescadora e conselheira suplente da Resex Mestre Lucindo, o projeto de manguezais em colaboração com Natura e Embrapa é descrito como marcante. “A gente já tinha o conhecimento tradicional, mas não sabia de toda a riqueza que o mangue produz. As pesquisas reforçaram esse olhar. Hoje digo que somos ricos dessa floresta tão única.”